quarta-feira, 22 de abril de 2009

A graça de ser só - DEPOIMENTO DE Pe. Fabio de Melo

Há pessoas que acham um absurdo o fato de padre não poder casar
 
Ando pensando no valor de ser só.
Talvez seja por causa da grande polêmica
que envolveu a vida celibatária nos últimos dias.
Interessante como as pessoas ficam
querendo arrumar esposas para os padres.
Lutam, mesmo que não as tenhamos
convocado para tal,
para que recebamos o direito de
nos casar e constituir família.

Já presenciei discursos inflamados
de pessoas que acham um absurdo
o fato de padre não poder casar.

Eu também fico indignado,
mas de outro modo.
Fico indignado quando a sociedade
interpreta a vida celibatária
como mera restrição da vida sexual.
Fico indignado quando vejo as
pessoas se perderem em argumentos rasos,
limitando uma questão tão complexa
ao contexto do
"pode ou não pode".

A sexualidade é apenas um detalhe da questão.
Castidade é muito mais.
Castidade é um elemento que
favorece a solidão frutuosa,
pois nos coloca diante da
possibilidade de fazer da vida
uma experiência de doação plena.
Digo por mim.
Eu não poderia ser um homem casado
e levar a vida que levo.
Não poderia privar os meus filhos
de minha presença para fazer as escolhas que faço.
O fato de não me casar,
não me priva do amor.
Eu o descubro de outros modos.
Tenho diante de mim
a possibilidade de ser daqueles
que precisam de minha presença.
Na palavra que digo,
na música que canto
e no gesto que realizo,
o todo de minha condição humana está colocado.
É o que tento viver.
É o que acredito ser o certo.

Nunca encarei o celibato como restrição.
Esta opção de vida não me foi imposta.
Ninguém me obrigou a ser padre,
e, quando escolhi sê-lo, ninguém me enganou.
Eu assumi livremente todas
as possibilidades do meu ministério,
mas também todos os limites.
Não há escolhas humanas que
só nos trarão possibilidades.
Tudo é tecido a partir dos avessos e dos direitos.
É questão de maturidade.

Eu não sou um homem solitário,
apenas escolhi ser só.
Não vivo lamentando o fato de não me casar.
Ao contrário, sou muito feliz
sendo quem eu sou e fazendo o que faço.
Tenho meus limites, minhas lutas cotidianas
para manter a minha fidelidade,
mas não faço desta luta uma experiência de lamento.
Já caí inúmeras vezes ao longo de minha vida.
Não tenho medo das minhas quedas.
Elas me humanizaram e me ajudaram
a compreender o significado da misericórdia.
Eu não sou teórico.
Vivo na carne a necessidade
de estar em Deus para que
minhas esperanças continuem vivas.
Eu não sou por acaso.
Sou fruto de um processo histórico
que me faz perceber as pessoas
que posso trazer para dentro do meu coração.
Deus me mostra.
Ele me indica,
por meio de minha sensibilidade,
quais são as pessoas que
poderão oferecer algum risco
para minha castidade.
Eu não me refiro somente
ao perigo da sexualidade.
Eu me refiro também às pessoas
que querem me transformar
em "propriedade privada".
Querem depositar sobre mim
o seu universo de carências e necessidades,
iludidas de que eu sou o
redentor de suas vidas.

Contra a castidade de um
padre se peca de diversas formas.
É preciso pensar sobre isso.
Não se trata de casar ou não.
Casamento não resolve os problemas do mundo.

Nem sempre o casamento acaba com a solidão.
Vejo casais em locais públicos
em profundo estado de solidão.
Não trocam palavras nem olhares.
Não descobriram a beleza dos
detalhes que a castidade sugere.
Fizeram sexo de mais,
mas amaram de menos.
Faltou castidade,
encontro frutuoso,
amor que não carece de sexo o tempo todo,
porque sobrevive de outras formas de carinho.

É por isso que eu continuo aqui,
lutando pelo direito de ser só,
sem que isso pareça neurose
ou imposição que alguém me fez.
Da mesma forma que eu
continuo lutando para que os
casais descubram que o casamento
também não é uma imposição.
Só se casa aquele que quer.
Por isso perguntamos sempre
– É de livre e espontânea vontade que o fazeis?
– É simples.
Castos ou casados,
ninguém está livre das obrigações do amor.
A fidelidade é o rosto
mais sincero de nossas predileções.
(Pe. Fabio e Melo)

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